O comportamento do consumidor é o cerne das soluções para o problema das mudanças climáticas. Foi o que aprendemos no dia 2 do What Design Can Do São Paulo.

 

Escrever em plena black-friday sobre a mensagem que Babette Porcelijn compartilhou no dia 2 do WDCDSP é uma ironia desesperadora. Esse movimento consumista tem bastante força no Brasil e é amplamente promovido pela mídia. Todas as coisas que as pessoas estão atraídas para comprar neste dia geram um grande impacto no meio ambiente, como Porcelijn mostrou para a audiência um dia antes. Será que vamos ganhar essa batalha?

“Nós temos que nos manter otimistas, apesar de tudo”, foi o que Bebel Abreu, diretora do WDCDSP no Brasil, disse ao público no início do dia. “É difícil ser otimista aqui no Brasil e especialmente sob a atual crise econômica e política”, disse ela. “Mas é exatamente por isso que é tão importante ter esta conferência aqui hoje”.

Bebel Abreu / foto de José de Holanda

PONTOS POSITIVOS

No dia 1, a questão sobre se a mídia é nossa aliada foi o tema de discussão no palco. E, embora este não seja o caso, quando olhamos para a intensa promoção da Black Friday – um ponto positivo é que Porcelijn foi abraçada pela mídia aqui e chegou ao maior canal da TV nacional.

Babette Porcelijn falando com o público / foto de José de Holanda

A investigação minuciosa de Porcelijn sobre o impacto do nosso comportamento diário parece vir bem a calhar ao Brasil, talvez também por causa da grave crise que o país está experimentando agora. E certamente, porque ela conta uma história positiva. Todos os produtos que compramos e as coisas que fazemos trazem um impacto ambiental escondido com eles, causados durante a produção e transporte (juntos contabilizam até 80% do impacto total dos produtos). Isso parece preocupante, mas atualmente oferece grandes oportunidades. Porque, como disse Porcelijn, “se você considerar o impacto oculto do produto no seu processo de design, poderá ser cinco vezes mais efetivo para torná-lo ambientalmente amigável.

E isso é muito necessário. Nos países ricos ocidentais, as pessoas vivem um estilo de vida como se tivéssemos 3,6 planetas e no Brasil 1,8 planetas. A solução para isso deve ser multifacetada, disse Porcelijn. “Precisamos de planejamento familiar para impedir o crescimento da população, devemos restaurar a natureza, mudar a maneira como produzimos e mudar a forma como consumimos. Consumidores, indústria e governo, todos têm um papel a deselvolver, mas, como consumidores, temos o último voto, porque escolhemos quais produtos compramos e quais governos queremos”.

Ao fazer as escolhas certas, podemos tornar nosso comportamento eco-neutro ou mesmo eco-positivo – quando restauramos mais do que tomamos da Terra.

Ana Toni / foto José de Holanda

PRECISAMOS SONHAR

Tal mensagem é música nos ouvidos de Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade no Rio de Janeiro, e anteriormente presidente do conselho internacional do Greenpeace. Toni dividiu com o WDCD sua crença que de que é hora de sair do que ela chama de “bolha climática” e começar a agir todos juntos. “Temos que resolver isso juntos”, diz ela. “Temos provas suficientes de que a mudança climática é uma questão mais urgente. Os designers podem nos ajudar a fazer a diferença, porque temos que mudar os hábitos de consumo o mais rápido possível. Não temos tempo. Costumo me referir a Martin Luther King, que nunca falou de um pesadelo. Ele teve um sonho. Quando se trata de mudanças climáticas, também temos que construir um sonho.”

Guta Requena foi entrevistado pela TV Globo / foto de José de Holanda

RUAS FECHADAS

Guto Requena, que vimos no palco no dia anterior, voltou a participar da discussão sobre o tema. “A comunidade é a chave”, diz ele.  Em sua breve apresentação, ele mostrou a importância de um movimento no Brasil que se esforça para o fechamento de ruas para carros nos domingos.

Essa idéia começou em São Paulo, onde o fechamento semanal da Avenida Paulista tornou-se um grande evento e um exemplo que é seguido em outros 16 lugares. Os fechamentos ajudam as pessoas a se relacionarem e aproveitarem o momento. Os eventos devem aumentar os espaços para pedestres e ciclistas permanentemente. Porque, diz Requena, “não devemos permitir que os carros ocupem 80% da cidade”.

Inka Pieter / foto de José de Holanda

TRÁFEGO AÉREO

Em muitos aspectos, Toni e Requena tiveram uma história muito mais fácil de contar do que Inka Pieter, que lidera a estratégia de sustentabilidade da KLM. Mesmo que a KLM esteja no topo da lista das companhias aéreas mais sustentáveis, Pieter não pode negar que o tráfego aéreo tem um enorme impacto sobre o clima.  Ainda assim, as pessoas querem viajar e o melhor que a companhia aérea poderia fazer para minimizar este impacto é investir em uma frota moderna, trabalhar em eficiência operacional, usar biocombustíveis e, de outra forma, compensar as emissões de CO2. Ao fazer isso, a KLM reduziu suas emissões em 430 mil toneladas em 2016.Conselho climático no dia 2 com Nicole Oliveira, Juliana Proserpio e Gabriele Vuolo / foto de José de Holanda

As duas ativistas ambientais no salão, Ana Toni e Nicole Oliveira, apreciaram esses esforços, mas também foram muito claras na opinião de que é necessária uma regulamentação governamental forte e tributação. “Precisamos ser radicais, não podemos aceitar soluções intermediárias”, disse Oliveira.

ADAPTANDO MARÉS CRESCENTES

Na sessão da tarde, Kristian Koreman, co-fundador da ZUS Architects, compartilhou seis soluções para a adaptação ao aumento esperado do nível do mar. Todos foram tirados de sua própria experiência. Um deles é um projeto de longo prazo nos polders na Holanda, onde a ZUS conseguiu convencer uma festa privada e o governo local a aceitar uma solução não convencional para uma nova área de habitação.  Em vez de construir a área tradicional do subúrbio atrás do dique existente, eles propuseram transformar a área em uma paisagem de dunas artificiais. Desta forma, as casas ficam acima do nível do mar, enquanto os habitantes da área experimentam todos os dias uma espécie de vida na praia.

Kristian Koreman / foto José de Holanda

Outra abordagem é uma solução integral que o ZUS co-projetou com várias outras partes para a área de Meadowlands, ao redor da cidade de Nova York. Sua proposta foi um dos projetos vencedores na competição Rebuild by Design que pediu soluções resilientes após o furacão Sandy ter atingido a costa leste americana Koreman explicou como eles conseguiram obter os planos aceitos pelas comunidades locais e pelos governos organizando vários encontros com prefeitos e outros grupos envolvidos.

Naresh Ramchandani / foto José de Holanda

Naresh Ramchandani, sócio da Pentagram e co-fundador da Do The Green Thing foi quem fez o fechamento do dia e de toda a conferência. Esta organização sem fins lucrativos pede aos criativos que utilizem seu tempo para tornar o comportamento sustentável tão atraente quanto todas as coisas prejudiciais que são tão atraentes, por exemplo, um dia como este.

Imagem no topo: Babette Porcelijn / foto de José de Holanda

Cantora Karina Buhr fazendo sua intervenção musical

Público atento

Como esta foi a décima edição do WDCD (7 em Amsterdã, 3 em São Paulo), Bebel Abreu e a irmã Manaira ofereceram a Richard van der Laken um bolo.